4 passos para cozinhar sem fazer compras
Estamos a viver momentos históricos
Comecei por partilhar esta informação por newsletter. Queria poder ajudar numa época em que o país se encontra em estado de emergência e nos vemos todos fechados em casa sem poder sair para fazer nada, incluindo compras. Os nossos filhos provavelmente vão aprender sobre aquilo que estamos a atravessar agora. São tempos estranhos, de desconforto, mas que também podem ser vistos de maneira positiva.
E se, em vez de pensar que estamos trancados em casa, pensássemos que estamos a viver todos os desejos que sempre tivemos? Quando dizíamos que gostávamos de ter mais tempo para cozinhar, namorar, para brincar com os miúdos, de ler, de não passar tanto tempo a conduzir ou em transportes para o trabalho?
Com a necessidade de reduzir as saídas, obrigamo-nos a olhar para o que temos em casa e fazer refeições com o que temos à mão. Vamos lá arregaçar as mangas e sair desta nuvem escura com um sorriso?
Primeiro passo: faz inventário do que tens para cozinhar
Antes de mais nada, preciso que me prometas uma coisa. Para isto funcionar, preciso que faça um trabalho simples que não demora mais de 15 minutos.
Faz um inventário de tudo o que tens no frigorífico, despensa e congelador. Escreve tudo, incluindo condimentos, meios sacos do que quer que seja, especiarias e temperos.
É mesmo muito importante que o faças - vai ajudar-te a sair da mentalidade de escassez, do "não tenho nada para cozinhar" e passar para a mentalidade de abundância, para o "ainda tenho muito com que cozinhar".
Se precisares de uma ajuda extra, podes fazer download aqui do inventário Marinar. Mas qualquer folha de papel ou caderno servirá.
Passo dois: Divide os ingredientes por categoria
Depois do inventário feito, divide os ingredientes por: vegetais, proteína, gordura, cereais, vegetais e fruta. Ao categorizar os teus ingredientes em colunas, vai ser muito mais fácil fazer o planeamento das refeições.
Não sou nutricionista, mas posso falar-te do que fazemos aqui em casa. A nossa alimentação é muito parecida com as orientações de alimentação do Canadá (imagem abaixo). Uso o mapa visual de metade do prato com vegetais, 1/4 de proteína animal ou vegetal e 1/4 de cereais ou tubérculos. Isso ajuda-me muito no planeamento e conjugação da nossa alimentação diária.
Se tiveres interesse em aprofundar esta questão, podes espreitar aqui o site oficial.
Mas, nesta fase, onde arranjamos os vegetais?
Óptima pergunta. De momento, o acesso aos frescos - dependendo do sítio onde vives - pode estar limitado. Mas quem sabe ainda haja vegetais congelados?
Muitas pessoas torcem o nariz aos vegetais congelados e eu compreendo porquê: a textura não é a mesma. Mas a verdade é que podemos pensar nos vegetais e frutas congelados de outra forma: em estufados, gratinados ou picadinhos fazem pouca diferença para os frescos.
Deixo-te aqui algumas ideias para os usares:
Ervilhas com presunto/bacon/fiambre com molho de tomate e ovo escalfado - maravilhoso com uma fatia grossa de pão torrado;
Favas com chouriço;Couves-de-bruxelas com castanhas e bacon (no forno ou em molho de tomate);
Gratinado de batatas, ervilhas e fiambre/presunto/bacon/chouriço com natas;
Massa com pesto e ervilhas;
Lasanha ou canelones com espinafres e requeijão/ricotta;
Salada russa;
Salada fria com milho, cenoura, ervilhas, feijão verde e molho vinagrete;
Quiche de espinafres e/ou brócolos;
Couve-flor gratinada com queijo;
Assados no forno bem quente: brócolos, couve-flor, cenoura, batata doce e couves-de-bruxelas prestam-se muito bem a isso - com um fio de azeite a envolver e cobertos com as especiarias que tiveres à mão. A couve-flor não tem grande sabor mas podes vesti-la com tons de festa e temperá-la com coentros em pó, cominhos e paprika e ficará totalmente diferente. Faças o que fizeres, não te esqueças do azeite;
Esparregado de espinafres ou grelos;
Sopa;
Fajitas com pimentos;
Stroganoff de cogumelos.
As frutas congeladas podem ainda ser usadas em:
Batidos com iogurte - cá em casa chamamos-lhe o "iogurte tipo gelado";
Smoothies;
Frutos vermelhos estufados para pôr em pudins de chia, por cima de papas de aveia e para acompanhar panquecas ou crepes. Basta pôr os frutos vermelhos congelados num tacho sem mais nada, em lume brando, até cozinharem nos próprios sucos. Normalmente, 5 a 10 minutos é suficiente. Se vires que estão particularmente ácidos podes equilibrar com um pouquinho de xarope de ácer, de agave ou de arroz, mel ou açúcar amarelo.
Passo três: Criar receitas com sobras
Lembras-te daquelas receitas das nossas avós? As pataniscas de bacalhau, os peixinhos da horta, os esparregados e a roupa velha do Natal? Os rissóis e os croquetes? Foram sempre receitas de aproveitamento de sobras. Um resto de carne aqui, uns vegetais ali dão sempre para fazer mais uma refeição.
Sem ideias de como aproveitar as sobras?
Quiche de vegetais e/ou sobras de carne;
Pataniscas de vegetais - aqui a Joana Roque fez com feijão verde mas em casa faço com muitos outros vegetais (milho, batata doce ou normal ralada, ervilhas, cenoura, abóbora entre outros). Se tiverem farinha de grão à mão também a podem usar para as pataniscas. Espreitem a receita da Oksi;
Cascas de cenoura, talos de vegetais e outras sobras podem ser usados para fazer caldo com ossos;
Bolinhas/hamburgueres de peixe (funcionam também com sobras de peixe e com atum em lata e salmão em lata);
Para sobras de arroz tipo risotto, experimenta fazer arancini.
Um hummus delicioso na minha loiça favorita da Oficina da Formiga. Para mais informação sobre a loiça deste projecto artesanal e familiar vê aqui.
Passo quatro: Reduzir o consumo de carne
Uma das maiores mudanças que fizemos cá em casa foi tornarmo-nos consumidores conscientes de carne. Carne sempre nacional, preferencialmente local e da melhor origem e com a melhor alimentação possível. Isso não significa só que a carne é um pouco mais cara. Significa também que consumimos menos, é mais saborosa e usamo-la de forma mais intencional.
E a verdade é que há formas tão saborosas de substituir a carne e o peixe que seria uma pena não explorá-las. Ovos, feijões de todas as cores, lentilhas, grão, frutos secos, sementes, soja e derivados são sempre óptimas opções.
Ao consumirmos menos carne, aliviamos a pressão nos produtores de carne que se veem obrigados a pôr carne à venda a um preço baixo e em grandes quantidades. Acredito verdadeiramente que podemos votar com o nosso dinheiro e com os nossos hábitos de consumo
Algumas das nossas receitas favoritas com leguminosas incluem:
Chilli de feijão (com 3 ou mais variedades de feijão e um molho de tomate rico);
Feijão preto estufado com abóbora e leite de côco (com cominhos e coentros em pó);
Snack de grão - absolutamente delicioso.
E caso queiras manter a carne, também há maneiras de usar menos quantidade pelo mesmo sabor:
Molho de carne picada (tipo bolonhesa) - Podes sempre misturar vegetais picadinhos na bolonhesa. Cá em casa gosto de incluir bastante cenoura, aipo, cebola e couve-flor picada se tiver - ponho todos no robot de cozinha e deixo picar até ter o mesmo tamanho da carne picada. Se tiver à mão, incluo também soja hidratada no molho para ajudar a dar volume. Gosto de saltear primeiro a carne, deixando-a alourar bem - em dois ou três lotes no tacho (para alourar sem perder os sucos da carne), e é isso que que vai dar a maior parte do sabor ao molho - e de seguida os vegetais. É sempre uma boa ideia deixar cozinhar bem a carne e os vegetais antes de adicionar o molho de tomate, já que o ácido do tomate atrasa a cozedura de tudo o que estiver na panela. Uma colher de sobremesa de açúcar ajuda a tornar o molho menos ácido. E orégãos. Não te esqueças dos orégãos! No final, se tiveres, umas folhinhas de mangericão fresco tornam tudo mais especial.
Em almôndegas ou rolo de carne - Para as almôndegas, gosto de alourar bastante cebola picadinha - numa frigideira - até caramelizar. Depois da cebola arrefecer, juntar então a carne com um ovo e pão ralado. Se fizeres almôndegas de frango, usa sempre a carne da perna e não do peito. Vais notar uma diferença incrível no sabor. Mas não te fiques pela cebola, experimenta outros vegetais como brócolos picados ou até umas colheradas de pesto. Ficam deliciosas!
Usar os ossos - feijoada, rojões, sopa fortificada com carne e estufados, sempre que possível, usa os ossos. Dão um sabor bem mais intenso e desperdiças menos. Se não conseguires usar, já sabes: congela e usa da próxima vez que fores fazer um caldo. Sempre que vou ao talho comprar frango para as almôndegas, peço para me guardarem os ossos. Chego a casa e congelo-os. Quando preciso de fazer caldo, estão lá à minha espera.
Então e o que faço com as farinhas e sementes que andam cá por casa?
A minha primeira ideia seria fazer pão. Talvez porque estou absolutamente vidrada com o pão de massa mãe, tudo o que é farinha cá em casa acaba no pão. Mas se não for a tua vontade, há montes de outras coisas que podes fazer:
Muffins, bolachas e bolos saudáveis;
Panquecas;
Waffles saudáveis;
Scones deliciosos - (quando não tenho leitelho "buttermilk", uso um iogurte natural e encho o resto com água - funciona lindamente);
Granola para o iogurte;
Massa quebrada para tartes;
Massa de pizza;
Mas não te deixes ficar por aqui. Há centenas de receitas que podes usar e ideias para explorar!
Uma palavra final - Aproveita o tempo em família
Aqui por casa estamos a tentar fazer refeições o mais equilibradas possível e aproveitar este tempo para viver de forma mais intencional. Que seja a altura em que finalmente aprendemos a cozinhar mais, em que aprendemos a fazer o planeamento de refeições, em que brincamos com os nossos filhos sem horas contadas ou lemos o livro que está na estante à nossa espera há seis meses.
Desde já peço desculpa por uma grande parte dos links serem em inglês, mas são as minhas referências e pessoas ou projectos de quem gosto. Tentei sempre que possível incluir a versão em vídeo para ser mais fácil acompanhar.
Não acredito em classificar a comida como boa ou má. Mas é importante considerar quais as que devemos ingerir com mais frequência e quais as que devemos consumir pontualmente. Mais do que nunca, nesta fase é importante alimentarmo-nos bem e prevenir o adoecimento.
Por isso, tenta fazer refeições saciantes e nutritivas, equilibradas e incluir sempre que puderes vegetais (principalmente verdes), proteína de qualidade e gorduras saudáveis que tantas vezes nos esquecemos.
E claro, com tanta comida boa, umas corridas pelo corredor atrás dos nossos filhotes com mais afinco, um amassar de pão com mais vigor, um dançar apaixonado na sala com o nosso amor e uns agachamentos enquanto esperamos que a chaleira ferva vão ajudar o nosso corpo a lidar com a falta de movimento destes dias.