Reconectar
Os últimos cinco anos têm sido os mais desafiantes e difíceis da nossa vida. Temos crescido brutal e rapidamente, muitas vezes com lama até aos joelhos mas olhando para a frente. As mudanças de casa frequentes, a sensação de desajuste, de falta de chão, em muitos dias foram incapacitantes. Concentrei-me em viver o dia-a-dia, em manter um tecto sobre a nossa cabeça e comida na mesa. Imperfeitamente, desajeitadamente.
A minha paixão pela cozinha continuou cá, mas soterrada pelas preocupações e obrigações. De vez em quando surgia inspiração quando fazia pão de massa mãe ou uma receita mais especial, mas rapidamente era silenciada por tudo o resto. Deixei de encontrar formas de a reacender, e muitas receitas aconteciam apenas na cozinha da minha cabeça. Era a única cozinha onde me sentia segura para experimentar, onde o custo dos ingredientes exóticos não era um dificuldade, onde todos os equipamentos existiam e funcionavam correctamente.
Havia apenas um problema...quando as coisas acontecem apenas na nossa mente, cria-se uma desconexão entre o corpo e a mente, e surgem barreiras onde antes não existiam.
Cada vez que esta paixão ressurgia, eu, cansada, tentava aproveitá-la partilhando um post, irregular, descoordenado, onde o tempo disponível era sempre insuficiente. E pouco tempo depois deixei de ter vontade de partilhar conteúdo. Sentia que apenas valeria a pena dedicar-me a produzir conteúdo se fosse para ficar o melhor que podia fazer. Fiquei com horas de conteúdo no computador à espera de um lugar e tempo para serem partilhadas com o mundo. Em parte porque sou extremamente exigente comigo própria e queria fazer tudo bem (olá perfeccionismo!) mas também porque sentia que estes esforços não me levavam a lado algum. A razão fundamental de partilha perdeu-se.
Durante meses senti-me bloqueada, sem ver um caminho de saída. Quando a nossa paixão se torna um fardo, é difícil encará-la. Precisei de lhe dar tempo, muito tempo para me reconectar. Não porque quisesse forçar mas porque sabia que estava cá, à espera, pacientemente, que as condições se reunissem para poder voltar.
Enquanto isso fui cozinhando, comida do dia-a-dia. Observando como conseguia ir pondo comida na mesa que, apesar de não alimentar a minha paixão, me nutria a mim e à minha família. Foi uma aprendizagem necessária, um largar do controlo, um abdicar da exigência e simplesmente ser. Permitir-me fazer diferente. Praticar empatia e auto-compaixão.
Dois anos de terapia ajudaram imensamente trazer luz a tudo isto e a criar novas ferramentas para lidar com esta etapa. Escrita, pintura, música, costura, yoga e longas conversas com as minhas pessoas favoritas ajudaram a criar novas formas de pensar, exprimir-me e sobretudo de sentir. E fez valer tudo a pena, como sempre faz quando conseguimos ultrapassar os obstáculos.
Porque é que decidi partilhar isto hoje? Porque talvez haja alguém em casa, no mesmo processo que passei e quero apenas dizer que há caminho para a frente, que pedir ajuda é um acto de valentia e que não precisamos de atravessar a vida sozinhos, a sentir que temos que resolver tudo. Principalmente os assuntos maiores e mais profundos.
Para mim tem sido fundamental dar prioridade ao meu descanso, alimentar a minha criatividade, criar sem nenhum outro fim que não o de criar. Construir comunidade à minha volta, auto-validar as minhas aspirações, oferecer-me empatia e auto-compaixão.
Aqui no blog vão aparecer artigos diferentes, mais pessoais e mais conectados com aquilo que procuro em última análise: alimentar a minha paixão pela cozinha.
Por isso aqui estão algumas fotografias não editadas, tiradas com o meu telefone, sob o mote de "feito é melhor do que perfeito".
E tu já passaste por uma fase assim na vida? O que te ajudou a sentir melhor? Quais as ferramentas que utilizaste?
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Obrigada por estares aqui.